2 de fevereiro de 2013

Opinião sobre "A imperfeição do presépio" de António Manuel Marques


Romance bem escrito e bem contado. Narrado na 1ª pessoa por uma mulher, mãe de família, já com alguma idade. Esta mulher olha fotografias, que tem guardadas numa caixa, e vai recordando - primeiro, o dia do casamento, quando aparece fotografada ao lado da cunhada, porque o marido não gostava de ser fotografado; depois, outras imagens de outros momentos da vida: os filhos, dois dos quais combateram no Ultramar, os netos...
A omissão do noivo na imagem do casamento é o prenúncio da futura omissão do marido na vida da família, cujo pilar será sempre esta mulher. É ela quem escolhe o seu homem, por ser o mais bonito da aldeia, e é ela quem vai aturar-lhe o vício do álcool, a leveza da mão e o distanciamento no apoio e na educação dos filhos.
Vieram de uma aldeia ribatejana para uma barraca em Benfica, onde ela trabalhava a dias e geria a vida com determinação e uma tocante simplicidade que, nem por isso deixava de lado o saber, a eficiência, a honestidade. Esta mulher, cujo nome não sabemos, nem é preciso, representa as muitas mulheres de uma classe baixa que, numa dada época - ainda actual - fazem rolar a vida, a familia, a sociedade e o mundo. Uma mulher que enfrenta uma vida dura - muito dura - sozinha, sem se queixar e sem sombra de revolta - antes com natural aceitação e ternura pelo que a rodeia.
Esta mulher, que sabemos forte, desperta-nos, no entanto, uma carinho imenso, uma vontade de a sentar ao colo e de a abraçar, como se de uma criança se tratasse. Porque, com a natural simplicidadee das almas grandes, soube viver em dádiva, sem consciência de que cada dia que passava era mais um da sua epopeia.
Esta mulher, com a dimensão humana das figuras do presépio, não conseguiu nunca ver o seu próprio presépio completo - por uma razão ou outra faltava-lhe sempre uma peça.
O livro é escrito por um homem. Que sabe escrever. Que sabe das realidades sociais. Que sabe de mulheres. De algumas mulheres.Muito bom! 

M. Matos
(Grupo de Leitores da Biblioteca Municipal de Oeiras)

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